Minha avó contava almas.
Todo dia levantava da cama
passava pela cozinha arrastando os chinelos surrados
e vinha contando...
...cinco seis sete oito....
Caminhava até a varanda
no fundo da casa onde
silenciosa e cuidadosamente
esparramava seu corpo na velha cadeira de balanço.
Continuava a contar...
... quinze dezesseis dezessete...
Eu, ainda bem pequeno,
ficava intrigado e perguntava
o que era aquilo que tanto ela contava
todo santo dia...
Ela respondia: coisa de gente grande! Se te contar você se assusta.
Eu? Imagina!!
Eu já pilotava helicóptero no alto da goiabeira!
Porque iria me assustar?
Alguns dias ela ficava calada
sem contar nada
apenas olhando meu avô plantando alfaces, rúculas, couves,
colhendo tomates, esparramando esterco de cavalo na terra,
preparando canteiros..
Ela, da sua cadeira de espreguiçar,
eu, no alto do meu helicóptero camuflado no meio da goiabeira!
Minha avó contava almas,
eu, bicho de goiabas!