Fui criado nos rincões de Santa Cruz à base de arroz, feijão, bife, salada de alface. Tá certo que tinha por lá um bocado de fruta que me enfastiavam de quando em vez. Goiabas, que nasciam num pézinho mirrado num canto do terreno da oficina e em outro, mais robusto, ainda na mesma oficina, mas na divisa, junto à uma cerca que servia de escada para subir na goiabeira. E dali subíamos numa árvore gigante que dava uns frutinhos marronzinhos, míudos e docinhos, com uma semente no meio e que nunca soube o nome. Era uma aventura enorme subir nessa árvore e me lembro perfeitamente do meu desespero quando, depois de subir pela primeira vez nessa árvore e me aventurar por galhos altíssimos, me deparei com a necessidade de descer. Desci, conforme podem perceber, mas foi uma baita agonia. Os galhos pareciam ter crescido entre a subida e a descida, de tal forma que ficaram mais longe uns dos outros... Na rua de casa, no caminho para o clube Naútico, tinha um pé de pitanga. Na rua paralela tinha a casa da dona Alta, com um pomar enorme que ela tratava com muito carinho e, evidentemente, não deixava ninguém entrar para comer as frutas que apodreciam no chão. Mas entrávamos, mesmo assim. Era diversão pura, porque sabíamos que ela iria nos escutar e sair correndo atrás de nós, que fugíamos para dentro do clube Naútico. Lá, no clube, enormes jaqueiras que me deixavam sempre na dúvida: e se uma delas despencar na minha cabeça? Nunca aconteceu comigo e nunca soube que tenha acontecido com alguém, embora, ao contrário dos côcos de Natal, as jacas caem do pé mais cedo ou mais tarde... Na beira do Rio Pardo tinha um monte de ingazeiras e era ali, nos pés repletos de ingás, que subíamos, comíamos as frutas e pulávamos n'água para descer o rio por uns 200 ou 300 metros... Mas eram frutas que se comiam nos pés. Sem adubos, sem agrotóxicos, sem água para lavar as frutas ou a cara, mesmo quando lambuzada pelas mangas que também tinham aos montes por lá. Mas falava do arroz e feijão... Pois é, cresci assim: muita fruta no pé, e pouca variedade de comida à mesa. No máximo tinha lá o macarrão com frango aos domingos. Ou lasanha e frango. Quando vim pra cá estudar, fui aprendendo que na mesa outra coisas iam bem. Mas aprendi isso no dia em que, com uma baita fome, chegamos na república e na geladeira tinha um prato de arroz de transantontem e um ovo para dividir em três. Um dos amigos tinha lá seus dotes culinários e, sabedor que no quintal tinha um pé de chuchu, foi até lá, colheu logo uns oito ou dez chuchus, refogou-os, misturou o arroz e o ovo e fez um delicioso rango que até hoje me lembro do sabor. A fome nos ensina que qualquer alimento é bom. Que toda mesa farta deve ser enormemente agradecida. Que toda comida deve ser dividida, que não pode sobrar. Naquele dia, na Cardoso 1023, juntou gente pra dividir com a gente aquele ranguinho simples, mas bom pra chuchu!
zénérso - 19.03.2012

zénérso - 19.03.2012

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